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Antes do click: Charlie Cole

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Conteúdo atualizado há 11 anos

Todo mundo já viu essa fotografia pelo menos uma vez na vida. Uma imagem forte e que instiga nossa imaginação (o que terá acontecido com o rapaz?). Charlie Cole viu a cena dramática de um manifestante disafiando uma fila de tanques de guerra do Exército da Libertação Popular na Praça da Paz Celestial, em Pequim, e resolveu eternizar o momento, em 1989. E, em 2005, durante uma celebração da World Press Photo, resolveu contar como foi capturar esta imagem tão marcante.

antes do click charlie fosgrafe.com

“Em maio de 1989, como um fotógrafo da revista Newsweek, eu fui enviado para Pequim, onde protestos de estudantes, realizados diariamente, continuavam a crescer. Dois outros fotógrafos da revista, Peter Turnley e Andy Hernandez, já haviam passado algum tempo lá. Alguns dias depois de eu chegar, os protestos começaram a diminuir. O número de manifestantes e os próprios protestos haviam diminuído a tal ponto que fotógrafos e repórteres começavam a voltar para as suas respectivas bases na Ásia.

Eu recebi ordens da Newsweek para ficar. Na noite de 3 de junho, depois de um dia de tensos confrontos entre o Exército da Libertação Popular e os manifestantes, o Exército começou a cercar o centro da cidade e a levar tanques e outros veículos blindados para o coração da Praça da Paz Celestial. Na parte da praça que fica bem na frente da Cidade Proibida, um veículo blindado se separou da coluna e, no pânico de sair da área, passou por cima de diversos manifestantes. Isso fez com que a multidão se tornasse violenta.

Eles avançaram contra o veículo, tiraram os tripulantes, os mataram e atearam fogo. Isso tudo foi feito na frente de pelotões do Exército da Libertação Popular que estavam a cerca de 150 metros da praça. De pé, ao lado do veículo blindado em chamas, eu olhei para o outro lado da avenida e pude ver em meio às luzes alaranjadas da praça os soldados carregarem seus fuzis automáticos AK-47. Eu procurei proteção mas não havia nenhuma – as únicas áreas que ofereciam cobertura estavam na Avenida Chagan, perto do Hotel Pequim, que havia ficado para trás. Quando eu consegui chegar a algumas árvores ao longo da avenida, os soldados abriram fogo contra a multidão. Houve pânico, pessoas foram atingidas.

Era impossível tirar fotografias porque estava muito escuro e usar o flash estava fora de questão. Eu olhei em volta e decidi que o único lugar possível era do alto de um prédio com uma boa vista para a praça e o caos que tomava conta dela. Entrei no Hotel Pequim, que tinha uma boa vista da praça, mas quando eu entrei, fui abordado por membros do Serviço de Segurança Pública, a polícia secreta da China.

Um dos agentes veio até mim com um dispositivo elétrico e me deu um choque. Outros me deram socos e chutes. Eles arrancaram o meu colete e levaram todas as fotos que eu havia tirado naquela noite. Eles iam pegar as câmeras, mas eu os convenci de que elas seriam inúteis sem filme, e eles me devolveram. Eu lhes disse que estava indo para o meu quarto. A polícia secreta não havia descoberto os três rolos de filme novos que estavam num bolso interno do meu colete.

Enquanto eu corria pelo lobby, encontrei o meu amigo Stuart Franklin, um fotógrafo da agência Magnum que estava em uma cobertura da revista Time. Stuart estava num quarto no oitavo andar do hotel e da varanda dele nós tínhamos uma visão bastante boa do que estava acontecendo. A essa altura havia uma boa quantidade de armas automáticas e eu podia ver pessoas com carrinhos levando mortos e feridos, correndo na avenida para tentar levar os feridos para o hospital. Eu contei 64 feridos e mortos num pequeno espaço de tempo e depois parei de contar. Stuart e eu tentávamos fotografar com a luz que vinha da rua.

Quando eram quatro ou cinco da manhã, colunas de tanques percorriam a praça esmagando ônibus, bicicletas e seres humanos. Com o nascer do sol, nós podemos ver a massa de armamentos na praça, escoltados por milhares de tropas. No dia seguinte, 5 de junho, Stuart e eu nos posicionamos na varanda de novo. Enquanto a manhã avançava, centenas de soldados cercavam a praça e se encolhiam atrás de barricadas. Os seus rifles estavam apontados para estudantes curiosos e moradores.

Em quase todos os tetos, incluindo o nosso, nós podíamos ver agentes da polícia secreta com binóculos e rádios tentando controlar a área. Por volta de meio-dia, nós ouvimos os veículos blindados começando a deixar a praça. Para sair da Avenida Changan, muitos soldados armados com metralhadoras dispararam e as pessoas voltaram a fugir em pânico. Onde havia centenas de pessoas momentos antes, havia apenas bicicletas e ônibus queimados.

Um pouco depois, uma coluna de 25 tanques começou a sair. Stuart e eu estávamos fotografando ombro a ombro enquanto eles avançavam pela avenida. Daí, de repente, nós vimos um rapaz, com uma jaqueta em uma mão e uma sacola na outra, colocando-se na frente dos tanques em uma tentativa de contê-los. Foi uma coisa incrível, especialmente diante do que acabara de acontecer com os atiradores de metralhadora dos veículos blindados. Eu não conseguia acreditar, eu continuei fotografando em antecipação ao que eu senti que era o destino inevitável do rapaz.

Para o meu espanto, o tanque que vinha na frente parou e tentou contornar mas o rapaz se colocou na frente dele de novo. Finalmente a polícia secreta o pegou e o levou consigo. Stuart e eu nos olhamos um tanto incrédulos do que acabávamos de ver e fotografar. Depois, Stuart saiu para ir à Universidade de Pequim e eu fiquei para ver o que mais podia acontecer. Logo depois que ele saiu, agentes da polícia secreta arrombaram a porta do quarto. Quatro agentes entraram e investiram contra mim enquanto outros agarraram as minhas câmeras.

Eles tomaram o filme das minhas câmeras e confiscaram o meu passaporte. Depois eles me forçaram a escrever uma carta dizendo que eu estava fotografando sob lei marcial, delito que, não sabia eu, era punido com prisão. Daí eles colocaram um guarda na minha porta. Eu tinha escondido o filme com as fotografias do tanque na caixinha de plástico dentro do reservatório da privada. Quando eles foram embora, eu recuperei o filme e depois levei para revelar na Associated Press e transmiti as fotos para a Newsweek em Nova York.

Três outros fotógrafos tinham tirado a fotografia de ângulos diferentes.

Muitas perguntas foram feitas por agências e revistas para descobrir a identidade do rapaz e o que havia acontecido com ele. Eu vi alguns relatos que o identificavam como Wang Wei Lin, mas isso não foi confirmado. Eu acho que a atitude dele cativou o coração das pessoas no mundo todo e quando o momento chegou ele definiu o momento, mais do que o momento o definiu. Ele fez a imagem, eu só tirei a foto. Eu me senti honrado de estar lá“.

Fonte: bbc brasil

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